Forasteiros............
Samaritano

- Leanderson Paulo da Silva
- Guaratuba, Paraná, Brazil
- Teólogo,casado, é muito feliz.
Seja bem vindo
Espero que você ao acessar este blog esteja ciente que terá acesso a verdades, mas verdades plausíveis que podem a qualquer momento serem refeitas.
quinta-feira, 7 de outubro de 2010
PASSOS DE GRAÇA
Haroldo Reimer 1
Nossos textos sagrados se tornaram fonte para falar da graça de Deus, que age no mundo e o transforma,
transformando pessoas e relações. A graça se tornou texto. A verdadeira fonte da graça se tornou locus literário, virou
literatura. Essa literatura se transformou, para muitos grupos cristãos, em norma, até em norma normans de todo agir
(cristão) em meio às contradições da vida, do cotidiano e da fé.2
Na Bíblia, esta norma normans de parcela significativa do cristianismo, a figura de Jesus se tornou por excelência a
condensação dessa graça de Deus. Na plenitude dos tempos, Deus manifestou nele a inteireza de sua graça. Este é, em
nossa fé, o condutor e o catalisador da graça divina.
Lições da história das religiões e da fenomenologia da religião nos mostram que o Deus da graça é sempre também, de
alguma forma, o Deus da lei. É o que Rudolf Otto chamava de mysterium fascinans et tremendum.3 A divindade que
se manifesta e é percebida é sempre um amálgama de várias facetas; é maior do que toda experiência; por isso é
transcendente. Nosso Deus, na multiplicidade das experiências de fé que se tornaram texto-literatura, é um “amálgama
de diversas personalidades em um único personagem”4. Mesmo na essência da graça, em Jesus, manifesta-se também
uma duplicidade ou ambigüidade do elemento fascinante e terrorífico. Há que amar e temer...
De muitas formas, mesmo antes de Jesus, os textos sagrados de nossa tradição falam da graça de Deus atuante no
mundo. Mesmo na forma da ‘lei’, as Escrituras revelam a face da graça de Deus. Um texto de ‘lei’, isto é do conjunto
de tradições legais do povo hebreu, Torá, revela muito bem esta simultaneidade (simul) de lei, graça, evangelho,
norma, boa nova:
“Não afligirás o estrangeiro, nem o oprimirás;
pois estrangeiros fostes na terra do Egito.
A nenhuma viúva nem órfão afligireis.
Se algum modo os afligirdes, e eles clamarem a mim,
Eu lhes ouvirei o clamor;
A minha ira se acenderá, e vos matarei à espada;
Vossas mulheres ficarão viúvas, e vossos filhos, órfãos.
Se emprestares dinheiro a meu povo,
Ao pobre que está contigo,
Não te haverás como credor que impõe juros.
Se do teu próximo tomares em penhor a sua veste;
Deverás restituí-la a ele antes do pôr-do-sol,
Porque é com ela que se cobre, é aveste do seu corpo;
Em que se deitaria?
Será, pois, quando clamar a mim, eu o ouvirei,
porque eu sou Deus misericordioso.”
(Êxodo 22,21-24)
O texto faz parte de um conjunto legal maior (Ex 20,22-23-19), tido pela maioria dos pesquisadores do Antigo
PASSOS DE GRAÇA.doc
.:: Haroldo Reimer [haroldoreimer.pro.br] ::.
Testamento ou da Bíblia hebraica como o código de leis mais antigo no conjunto destes textos sagrados, variando as
datações entre o século X e VIII aC.5 Sob o guarda-chuva teológico do primeiro mandamento, esta coleção buscaria
abrigar as contradições, as pessoas e os grupos distintos naquela sociedade, aproximando-os sob a noção de aliança
(berit).
Nesta forma de lei no esquema de aliança, a exemplo deste texto, evidencia-se muito bem essa duplicidade,
ambigüidade ou melhor simultaneidade na palavra de graça e de evangelho, isto é ‘boa notícia’. A forma do texto é
‘lei’. O conteúdo, porém, é lei e graça, lei e evangelho. Isso se torna especialmente evidente quando se pergunta pelos
destinatários da graça, por aqueles que são beneficiados pela lei e por aqueles que, como sujeito da lei, são restringidos
na sua ‘liberdade’. O sujeito jurídico do texto é claramente um chefe de alguma unidade familiar-clânica (= tu), que,
no âmbito de sua influência e ingerência social, deveria ‘aplicar’ esta lei, favorecendo as pessoas empobrecidas
mencionadas no texto legal. Para estas personae miserae, a aplicação da lei é ‘boa notícia’, é ‘evangelho’, pois sua
prática implica em um princípio ou passo de inclusão ou manutenção dentro da rede de seguridade social familar-
clânica na sociedade do antigo Israel. Simultaneamente, porém, a lei e sua aplicação resulta em um princípio julgador
sobre a prática social de lideranças sociais, comunitárias e clânicas daquele tempo. Para estes ‘chefes’, a lei e sua
aplicação são ‘lei’ na verdadeira acepção do termo.
A partir deste exemplo particular, é possível fazer duas afirmações importantes: a) em muitos textos sagrados, a fala
sobre a graça de Deus atuante no mundo assume uma simultaneidade de graça e lei; b) no contexto social daquelas
pessoas e comunidades na origem do texto, há movimentos variados de reivindicação, de contestação, de resguardo de
privilégios, enfim de aproximações na forma de acordo, aliança ou, como afirma a língua hebraica, de berit. Para falar
hoje de Deus e de sua graça que transforma o mundo, há que se estar atento para estes dados. A graça que se tornou
texto-literatura-fonte é resultado de passos concretos de pessoas para ensaiarem passos e criarem espaços de graça em
meio à complexidade do cotidiano e das relações sociais. A graça que transforma pode assumir a forma da lei em meio
às contradições sociais, econômicas e políticas dadas dentro um espírito de libertação rumo à liberdade e à dignidade
de vida.
Dentro do Antigo Testamento, ou da Bíblia hebraica, há todo um conjunto de tradições, que adequadamente podem
ser designadas como sendo tradições geradoras de tempos de graça.6 São as chamadas tradições jubilares, nome que
deriva do texto do jubileu do qual se fala em Levítico 25. Em sua grande capacidade de linguagem metafórica, frei
Carlos Mesters afirma que o “jubileu aparece como um rio que atravessa a história do povo de Deus e, com o passar
dos anos, vai crescendo em largura e volume (...) Este rio é formado por muitos afluentes que vêm de regiões e épocas
distantes”7. Pode-se identificar e nomear alguns destes afluentes: o descanso do dia de sábado para o ser humano e os
animais a cada sete dias (Ex 34, 21; 23,12; 20,8-11; Dt 5,12-15; Gn 2,1-3 etc); um descanso para a terra a cada sete
anos (Ex 23,1-11); alforria de pessoas pobres endividadas e escravizadas ao final de seis anos de submissão (Ex
21,2-11; Dt 15,12-18); perdão ou remissão de dívidas ao final do sétimo ano (Dt 15,1-11)8; um jubileu geral a cada
cinqüenta anos (Lv 25); um ano agradável a Deus (Is 61); um jubileu proclamado por Jesus (Lc 4), etc. Especialmente
em Jesus há um resgate e aprofundamento dessas tradições de tempos de graça na história do povo de Deus. O rio se
torna mais profundo e caudaloso!
Essas tradições-texto sobre passos, espaços e tempos de graça na história de nossos antepassados na fé podem ser,
hoje, fontes ou musas inspiradoras para práticas novas e alternativas em meio aos contextos e contradições de nosso
tempo. E assim podem ser lidas e interpretadas. Aqui basta trazer à memória a riqueza de reflexões desencadeadas por
estas tradições dos tempos de graça na virada do século e do milênio, quando internacionalmente havia uma sintonia
com a celebração de um jubileu na tradição católico-romana. Simultaneamente pode-se recordar como este impulso foi
desdobrado para dentro de muitas e diversas ações da campanha “jubileu 2000”, deflagrada e incentivada pelo
Conselho Mundial de Igrejas, e promovida por muitos organismos ecumênicos regionais como o Conselho Nacional de
Igrejas Cristãs, no Brasil. A experiência daqueles ‘tempos bíblicos’ se tornou texto e esse texto é gerador de novas
experiências. Há aí uma circularidade ou espiralidade hermenêutica, ocorrendo quase uma “fusão de horizontes”
dentro da cadeia de tradições.
As tradições e os textos que para nós se tornaram canônicos ou sagrados um dia foram vivência. Foram a experiência
geradora do testemunho, da codificação na forma de fonte literária inspiradora através dos tempos. Este é um dado
que me parece ser importante nunca perder de vista quando se fala, de forma afirmativa ou subjuntiva, de Deus, sua
Palavra e da sua graça que transforma o mundo. Ao repassar, através dos textos, para dentro da história vivida
daqueles tempos realizamos uma sintonia especial. Reatamos com pessoas, grupos, comunidades que ensaiaram passos
para experimentar espaços de graça neste mundo. Seus passos e suas palavras se tornaram sagrados!
Os contextos dos textos bíblicos, especialmente do Antigo Testamento, nem de longe antevêem ou refletem a
complexidade e as contradições próprias de nossos tempos. São textos de realidades pré-modernas, pré-capitalistas.
PASSOS DE GRAÇA.doc
.:: Haroldo Reimer [haroldoreimer.pro.br] ::.
Refletem em geral um mundo agrário do Oriente próximo ou do entorno do Mediterrâneo. Sobre a vida de pessoas,
grupos e comunidades em tais contextos incidem formas de tributação, de exploração de produtos e mão de obra.
Desde fins do século VIII aC as demandas próprias de uma economia monetária incipiente se reflete (negativamente)
sobre tais gentes. Empobrecimento, colheitas malogradas, doenças levam pessoas a buscar auxílio na rede de
solidariedade das famílias e dos clãs, procurando incrementar tradições como a lei do resgate, a lei do levirato, etc.
Tais redes, muitas vezes, já estão furadas pela adesão às novas regras econômicas, levando pessoas empobrecidas a
buscar empréstimos que servem de âncora para novos movimentos exploratórios, recheados de ‘maracutaias’, como o
denunciam alguns profetas (Am 8,4-7; Is 3,12-15; 10,1-3 etc).9
O horizonte de mundo daqueles contextos parece ser relativamente pequeno dentro daquele mundo agrário com
poucos e ensaios urbanos, Mas já há aí uma complexidade própria! Em meio a tais contradições se dá o movimento de
pessoas ensaiando o sentido daquele que hoje chamamos de graça e cuja ação tão intensamente desejamos para dentro
de nosso próprio mundo: Deus, em tua graça transforma nosso mundo! O exercício, os passos de gente reivindicando,
de gente buscando saídas, de gente negociando, de outros concedendo vai gerando experiências, que se tornam
referências, que viram acordos, que se tornam textos. Tais textos nos inspiram hoje não só a olhar para a graça do
Deus transcendente, mas para a graça a ser construída de forma conjunta em nosso tempo.
Além do exposto, um exemplo no qual toda a problemática pode muito bem ser exemplificada é a questão do sábado.
O shabbat é, por excelência o tempo e espaço para o gozo da graça em meio ao mundo do trabalho. Os textos bíblicos
mais antigos relativos ao sábado falam dele como uma ruptura do intenso ritmo de trabalho. No dia de sábado deve-se
fazer uma pausa, interromper os trabalhos, mesmo no maior ritmo da produção (Ex 34,21). No dia de sábado deve
haver uma possibilidade de um ócio geral para todos os integrantes da unidade de produção e reprodução (Ex
23,10-11; 20,8-11; Dt 5,12-15). O ápice desse tipo de projeção e representação da graça é alcançada no relato da
criação em Gênesis 1,1-2,3.10 Após haver criado todo o cosmo em seis dias, no sétimo dia Deus descansou de toda
obra que fizera. Este texto em linguagem mítica convida os ouvintes, leitores, enfim todas as pessoas, que se põem no
seguimento a esta tradição a fazerem uma imitatio dei, realizando um tempo de pausa e de graça em meio ao ritmo
intenso da vida. Isso será como uma marca distintiva da fé em Deus, que, em alguns momentos na tradição do povo
hebreu levou a radicalizações. Contudo, a reinterpretação dada por Jesus de Nazaré conduziu o sentido do sábado
novamente à sua originalidade: o sábado foi feito para o ser humano e não o ser humano para o sábado (M 2,27-28).
Assim, o tempo de graça do shabbat poderá ser uma antecipação da graça de Deus atuante e operante neste mundo. É
um tempo de sonho, de utopia, de suspiro da criatura oprimida em busca de libertação e liberdade. Bem já dizia o
judeu Franz Rosenzweig que “todo sábado humano torna-se sonho da plenitude”. Também para o próprio Lutero, o
ócio é culto verdadeiro a Deus. Cabe a nós, em nossos tempos e em nossas vicissitudes e contradições, dar os passos
para o estabelecimento de espaços de graça em nosso mundo. Assim poderemos mais plenamente dizer: Deus, em tua
graça, transforma o nosso mundo!
[Texto publicado em: PEREIRA, Nancy Cardoso et alii (orgs.). A graça do mundo transforma Deus. Diálogos latino-
americanos com a IX Assembléia do Conselho Mundial de Igrejas. Porto Alegre: Editora Universitária Metodista,
2006, p. 105-111]
Passeio Socrático
Outro dia, eu observava o movimento do aeroporto de São Paulo: a sala de espera cheia de executivos dependurados em telefones celulares; mostravam-se preocupados, ansiosos e, na lanchonete, comiam mais do que deviam. Com certeza, já haviam tomado café da manhã em casa, mas como a companhia aérea oferecia um outro café, muitos demonstravam um apetite voraz. Aquilo me fez refletir: Qual dos dois modelos produz felicidade? O dos monges ou o dos executivos?
Encontrei Daniela, 10 anos, no elevador, às nove da manhã, e perguntei: “Não foi à aula?” Ela respondeu: “Não; minha aula é à tarde”. Comemorei: “Que bom, então de manhã você pode brincar, dormir um pouco mais”. “Não”, ela retrucou, “tenho tanta coisa de manhã...” “Que tanta coisa?”, indaguei. “Aulas de inglês, balé, pintura, piscina”, e começou a elencar seu programa de garota robotizada. Fiquei pensando: “Que pena, a Daniela não disse: ‘Tenho aula de meditação!’”
A sociedade na qual vivemos constrói super-homens e supermulheres, totalmente equipados, mas muitos são emocionalmente infantilizados. Por isso as empresas consideram que, agora, mais importante que o QI (Quociente Intelectual), é a IE (Inteligência Emocional). Não adianta ser um superexecutivo se não se consegue se relacionar com as pessoas. Ora, como seria importante os currículos escolares incluírem aulas de meditação!
Uma próspera cidade do interior de São Paulo tinha, em 1960, seis livrarias e uma academia de ginástica; hoje, tem sessenta academias de ginástica e três livrarias! Não tenho nada contra malhar o corpo, mas me preocupo com a desproporção em relação à malhação do espírito. Acho ótimo, vamos todos morrer esbeltos: “Como estava o defunto?”. “Olha, uma maravilha, não tinha uma celulite!” Mas como fica a questão da subjetividade? Da espiritualidade? Da ociosidade amorosa?
Outrora, falava-se em realidade: análise da realidade, inserir-se na realidade, conhecer a realidade. Hoje, a palavra é virtualidade. Tudo é virtual. Pode-se fazer sexo virtual pela internet: não se pega aids, não há envolvimento emocional, controla-se no mouse. Trancado em seu quarto, em Brasília, um homem pode ter uma amiga íntima em Tóquio, sem nenhuma preocupação de conhecer o seu vizi nho de prédio ou de quadra! Tudo é virtual, entramos na virtualidade de todos os valores, não há compromisso com o real! É muito grave esse processo de abstração da linguagem, de sentimentos: somos místicos virtuais, religiosos virtuais, cidadãos virtuais. Enquanto isso, a realidade vai por outro lado, pois somos também eticamente virtuais…
A cultura começa onde a natureza termina. Cultura é o refinamento do espírito. Televisão, no Brasil - com raras e honrosas exceções -, é um problema: a cada semana que passa, temos a sensação de que ficamos um pouco menos cultos. A palavra hoje é ‘entretenimento’; domingo, então, é o dia nacional da imbecilidade coletiva. Imbecil o apresentador, imbecil quem vai lá e se apresenta no palco, imbecil quem perde a tarde diante da tela. Como a publicidade não consegue vender felicidade, passa a ilusão de que felicidade é o resultado da soma de prazeres: “Se tomar este refrigerante, vestir este tênis, usar esta camisa, comprar este carro, você chega lá!” O problema é que, em geral, não se chega! Quem cede desenvolve de tal maneira o desejo, que acaba precisando de um analista. Ou de remédios. Quem resiste, aumenta a neurose.
Os psicanalistas tentam descobrir o que fazer com o desejo dos seus pacientes. Colocá-los onde? Eu, que não sou da área, posso me dar o direito de apresentar uma su gestão. Acho que só há uma saída: virar o desejo para dentro. Porque, para fora, ele não tem aonde ir! O grande desafio é virar o desejo para dentro, gostar de si mesmo, começar a ver o quanto é bom ser livre de todo esse condicionamento globocolonizador, neoliberal, consumista. Assim, pode-se viver melhor. Aliás, para uma boa saúde mental três requisitos são indispensáveis: amizades, auto-estima, ausência de estresse.
Há uma lógica religiosa no consumismo pós-moderno. Se alguém vai à Europa e visita uma pequena cidade onde há uma catedral, deve procurar saber a história daquela cidade - a catedral é o sinal de que ela tem história. Na Idade Média, as cidades adquiriam status construindo uma catedral; hoje, no Brasil, constrói-se um shopping center. É curioso: a maioria dosshopping centers tem linhas arquitetônicas de catedrais estilizadas; neles não se pode ir de qualquer maneira, é preciso vestir roupa de missa de domingos. E ali dentro sente-se uma sensação paradisíaca: não há mendigos, crianças de rua, sujeira pelas calçadas...
Entra-se naqueles claustros ao som do gregoriano pós-moderno, aquela musiquinha de esperar dentista. Observam-se os vários nichos, todas aquelas capelas com os veneráveis objetos de consumo, acolitados por belas sacerdotisas. Quem pode comprar à vista, sente-se no reino dos céus. Se deve passar cheque pré-datado, pagar a crédito, entrar no cheque especial, sente-se no purgatório. Mas se não pode comprar, certamente vai se sentir no inferno... Felizmente, terminam todos na eucaristia pós-moderna, irmanados na mesma mesa, com o mesmo suco e o mesmo hambúrguer de uma cadeia transnacional de sanduíches saturados de gordura…
Costumo advertir os balconistas que me cercam à porta das lojas: “Estou apenas fazendo um passeio socrático.” Diante de seus olhares espantados, explico: “Sócrates, filósofo grego, que morreu no ano 399 antes de Cristo, também gostava de descansar a cabeça percorrendo o centro comercial de Atenas. Quando vendedores como vocês o assediavam, ele respondia: “Estou apenas observando quanta coisa existe de que não preciso para ser feliz.”
Frei Betto é escritor, autor do romance “Um homem chamado Jesus” (Rocco), entre outros livros.
Pessimismo capitalista e Darwinismo social
Que fazer quando uma crise como a nossa se transforma em sistêmica, atingindo todas as áreas e mostra mais traços destrutivos que construtivos? É notório que o modelo social montado já nos primórdios da modernidade, assentado na magnificação do eu e em sua conquista do mundo em vista da acumulação privada de riqueza não pode mais ser levado avante. Apenas os deslumbrados do Programa de Aceleração do Crescimento (PAC) do governo Lula, acreditam ainda neste projeto que é a racionalização do irracional. Hoje percebemos claramente que não podemos crescer indefinidamente porque a Terra não suporta mais nem há demanda suficiente. Este modelo não deu certo, pelas perversidades sociais e ambientais que produziu. Por isso, é intolerável que nos seja imposto como a única forma de produzir como ainda querem os membros do G-20 e do PAC. A situação emerge mais grave ainda quando este sistema vem apontado como o principal causador da crise ambiental generalizada, culminando com o aquecimento global. A perpetuação deste paradigma de produção e de consumo pode, no limite, comprometer o futuro da biosfera e a existência da espécie humana sobre o planeta. Como mudar de rumo? É tarefa complexíssima. Mas devemos começar. Antes de tudo, com a mudança de nosso olhar sobre a realidade, olhar este subjacente à atual sociedade de marcado: o pessimismo capitalista e o darwinismo social. O pessimismo capitalista foi bem expresso pelo pai fundador da economia moderna Adam Smith (1723-1790), professor de ética em Glasgow. Observando a sociedade, dizia que ela é um conjunto de indivíduos egoistas, cada qual procurando para si o melhor. Pessimista, acreditava que esse dado é tão arraigado que não pode ser mudado. Só nos resta moderá-lo. A forma é criar o mercado no qual todos competem com seus produtos, equilibrando assim os impulsos egoistas. O outro dado é o darwinismo social raso. Assume-se a tese de Darwin, hoje vastamente questionada, de que no processo da evolução das espécies sobrevive apenas o mais forte e o mais apto a adaptar-se. Por exemplo, no mercado, se diz, os fracos serão sempre engolidos pelos mais fortes. É bom que assim seja, dizem, senão a fluidez das trocas fica prejudicada. Há que se entender corretamente a teoria de Smith. Ele não a tirou das nuvens. Viu-a na prática selvagem do capitalismo inglês nascente. O que ele fez, foi traduzi-la teoricamente no seu famoso livro: "Uma investigação sobre a natureza e as causas da riqueza das nações"(1776) e assim justificá-la. Havia, na época, um processo perverso de acumulação individual e de exploração desumana da mão de obra. Hoje não é diferente. Repito os dados já conhecidos: os três pessoas mais ricas do mundo possuem ativos superiores à toda riqueza de 48 países mais pobres onde vivem 600 milhões de pessoas; 257 pessoas sozinhas acumulam mais riqueza que 2,8 bilhões de pessoas o que equivale a 45% da humanidade; o resultado é que mais de um bilhão passa fome e 2,5 bilhões vivem abaixo da linha da pobreza; no Brasil 5 mil famílias possuem 46% da riqueza nacional. Que dizem esses dados se não expressar um aterrador egoismo? Smith, preocupado com esta barbárie e como professor de ética, acreditava que o mercado, qual mão invisível, poderia controlar os egoismos e garantir o bem estar de todos. Pura ilusão, sempre desmentida pelos fatos. Smith falhou porque foi reducionista: ficou só no egoismo. Este existe mas pode ser limitado, por aquilo que ele omitiu: a cooperação, essencial ao ser humano. Este é fruto da cooperação de seu pais e comparece como um nó-de-relações sociais. Somente sobrevive dentro de relações de reciprocidade que limitam o egoismo. É verdade que egoismo e altruismo convivem. Mas se o altruismo não prevalecer, surgem perversões como se nota nas sociedades modernas assentadas na inflação do "eu" e no enfraquecimento da cooperação. Esse egoismo coletivo faz todos serem inimigos uns dos outros. Mudar de rumo? Sim, na direção do "nós", da cooperação de todos com todos e na solidariedade universal e não do "eu" que exclui. Se tivermos altruismo e compaixão não deixaremos que os fracos sejam vítimas da seleção natural. Interferiremos cuidando-os, criando-lhes condições para que vivam e continuem entre nós. Pois cada um é mais que um produtor e um consumidor. É único no universo, portador de uma mensagem a ser ouvida e é membro da grande família humana. Isso não é uma questão apenas de política, mas de ética humanitária, feita de solidariedade e de compaixão. Leonardo Boff é autor de Princípio compaixão e cuidado, Vozes (2007). |
terça-feira, 5 de outubro de 2010
Pseudo Epígrafo de Gênesis
Livro de Melquisedeque
(Observação)
A Criação do Universo I
Antes que existisse uma estrela a brilhar, antes que houvesse anjos a cantar, já havia um céu, o lar do Eterno, o único Deus.
Perfeito em sabedoria, amor e glória, viveu o Eterno uma eternidade, antes de concretizar o Seu lindo sonho, na criação do Universo.
Os incontáveis seres que compõem a criação foram, todos, idealizados com muito carinho. Desde o íntimo átomo às gigantescas galáxias, tudo mereceu Sua suprema atenção.
Movendo-Se com majestade, iniciou Sua obra de criação. Suas mãos moldaram primeiramente um mundo de luz, e sobre ele uma montanha fulgurante sobre a qual estaria para sempre firmado o trono do Universo. Ao monte sagrado Deus denominou: Sião.
Da base do trono, o Eterno fez jorrar um rio cristalino, para representar a vida que d'Ele fluiria para todas as criaturas.
Como sala do trono, criou um lindo paraíso que se estendia por centenas de quilômetros ao redor do monte Sião. Ao paraíso denominou: Éden.
Ao sul do paraíso, em ambas as margens do rio da vida, foram edificadas numerosas mansões adornadas de pedras preciosas, que se destinavam aos anjos, os ministros do reino da luz.
Circundando o Éden e as mansões angelicais, construiu Deus uma muralha de jaspe luzente, ao longo da qual podiam ser vistos grandes portais de pérolas.
Com alegria, o Eterno contemplou a Capital sonhada.
Carinhosamente, o grande Arquiteto a denominou: Jerusalém, a Cidade da Paz.
Deus estava para trazer à existência a primeira criatura racional. Seria um anjo glorioso, de todos o mais honrado. Adornado pelo brilho das pedras preciosas, esse anjo viveria sobre o monte Sião, como representante do Rei dos reis diante do Universo.
Com muito amor, o Criador passou a modelar o primogênito dos anjos. Toda sabedoria aplicou ao formá-lo, fazendo-o perfeito. Com ternura concedeu-lhe a vida; o formoso anjo, como que despertando de um profundo sono, abriu os olhos e contemplou a face de seu Autor.
Com alegria, o Eterno mostrou-lhe as belezas do paraíso, falando-lhe de Seus planos, que começavam a se concretizar. Ao ser conduzido ao lugar de sua morada, junto ao trono, o príncipe dos anjos ficou agradecido e, com voz melodiosa, entoou seu primeiro cântico de louvor.
Das alturas de Sião, descortinava-se, aos olhos do formoso anjo, Jerusalém em sua vastidão e esplendor. O rio da vida, ao deslizar sereno em meio à Cidade, assemelhava-se a uma larga avenida, espelhando as belezas do jardim do Éden e das mansões angelicais.
Envolvendo o primogênito dos anjos com Seu manto de luz, o Eterno passou a falar-lhe dos princípios que haveriam de reger o reino universal. Leis físicas e morais deveriam ser respeitadas em toda a extensão do governo divino.
As leis morais resumiam-se em dois princípios básicos: amar a Deus sobre todas as coisas e viver na fraternidade com todas as criaturas. Cada criatura racional deveria ser um canal por meio do qual o Eterno pudesse jorrar aos outros vida e luz. Dessa forma, o Universo cresceria em harmonia, felicidade e paz.
Depois de revelar ao formoso anjo as leis de Seu governo, o Eterno confiou-lhe uma missão de grande responsabilidade: seria o protetor daquelas leis, devendo honra-las e revela-las ao Universo prestes a ser criado. Com o coração transbordante de amor a Deus e aos semelhantes, caber-lhe-ia ser um modelo de perfeição: seria Lúcifer, o portador da luz.
O príncipe dos anjos; agradecido por tudo, prostrou-se ante o amoroso Rei, prometendo-Lhe eterna fidelidade.
O Eterno continuou Sua obra de criação, trazendo à existência inumeráveis hostes de anjos, os ministros do reino da luz. A Cidade Santa ficou povoada por essas criaturas radiantes que, felizes e gratas, uniam as vozes em belíssimos cânticos de louvor ao Criador.
Deus traria agora à existência o Universo que, repleto de vida, giraria em torno de Seu trono firmado em Sião. Acompanhado por Seus ministros, partiu para a grandiosa realização.
Depois de contemplar o vazio imenso, o Eterno ergueu as poderosas mãos, ordenando a materialização das multiformes maravilhas que haveriam de compor o Cosmo. Sua ordem, qual trovão, ecoou por todas as partes, fazendo surgir, como que por encanto, galáxias sem conta, repletas de mundos e sóis - paraísos de vida e alegria -, tudo girando harmoniosamente em torno do monte Sião.
Ao presenciarem tão grande feito do supremo Rei, as hostes angelicais prostraram-se, fazendo ecoar pelo espaço iluminado um cântico de triunfo, em saudação à vida. Todo o Universo uniu-se nesse cântico de gratidão, em promessa de eterna fidelidade ao Criador.
Guiados pelo Eterno, os anjos passaram a conhecer as riquezas do Universo. Nessa excursão sideral, ficaram admirados ante a vastidão do reino da luz. Por todas as partes encontravam mundos habitados por criaturas felizes que os recebiam em festa. Os anjos saudavam-nos com cânticos que falavam das boas novas daquele reino de paz.
Tão preciosa como a vida, a liberdade de escolha, através da qual as criaturas poderiam demonstrar seu amor ao Criador, exigia um teste de fidelidade. Com o propósito de revelá-lo, o Eterno conduziu as hostes por entre o espaço iluminado, até se aproximarem de um abismo de trevas que contrastava com o imenso brilho das galáxias. Ao longe, esse abismo revelara-se insignificante aos olhos dos anjos, como um pontinho sem luz; mas à medida de sua aproximação, mostrou-se em sua enormidade. O Criador, que a cada passo revelava aos anjos os mistérios de Seu reino, ficou ali silencioso, como que guardando para Si um segredo. As trevas daquele abismo consistiam no teste da fidelidade. Voltando-Se para as hostes, o Eterno solenemente afirmou:
-"Todos os tesouros da luz estarão abertos ao vosso conhecimento, menos os segredos ocultos pelas trevas. Sois livres para me servirem ou não. Amando a luz estareis ligados à Fonte da Vida".
Com estas palavras, fez Deus separação entre a luz e as trevas, o bem e o mal. O Universo era livre para escolher seu destino.
segunda-feira, 4 de outubro de 2010
Osvaldianos.....
Alguns dias atrás uma notícia triste foi anunciada em um lugar sagrado. Não que em lugares sagrados não se possa escutar notícias tristes, não é isso. É que neste lugar, quando se fala em coisas ruins, é para a edificação do corpo e da mente. Dessa vez foi diferente pois em nada nos edificou, apenas nos deixou chateados e maquinando o que poderia ser feito para reverter essa situação. Essa notícia que chegou sem nenhum argumento ou chance de defesa, para que nosso amigo e professor Osvaldo pudesse argumentar. Talvez tenha sido assim por medo dos argumentos.
Esses homens que mandam e desmandam não conhecem nosso amigo Osvaldo, apenas alimentam impressões sobre sua pessoa, pois se o conhecessem saberiam a preciosidade que tinham como funcionário. Homem que cantarolava cantigas antigas, que sempre admirou o evangelho, mas mais do que isso, colocava em prática. Homem que sempre foi a favor da honestidade, coisa que está em falta hoje em dia. Mesmo sem conhecerem este lado pastoral, se é que se pode chamar assim, mandaram nosso grande amigo embora. Talvez eles estejam vivendo um ditado popular que diz: a primeira impressão é a que fica. Mas aí cabe uma pergunta: Qual impressão? A impressão de um leão que cuida dos seus filhotes quando esses são atacados ou de um pai que fica ao lado do filho mesmo quando estes não estão certos. Acredito que foi essa impressão que eles não gostaram.
Bom, o lugar sagrado foi profanado, não pela notícia, mas pela forma covarde em que ela foi anunciada, onde não deu chances de defesa. As notícias anunciadas dessa forma não dão ao ouvinte chances de defesa, onde o acusador também ouve o que precisa, onde o lado da verdade ganha. Não é uma verdade de poder e sim uma verdade verdadeira, sem politicagens.
Fica aqui meu profundo despontamento com os homens que fizeram do lugar sagrado um lugar profano onde a guilhotina não tem dó e onde o réu é réu só porque homens se acham no direito de assim fazer.
Assinar:
Postagens (Atom)